Coma Hipoglicêmico

Resumo

Definição e Fisiopatologia O Coma Hipoglicêmico é uma emergência neurológica caracterizada pela perda de consciência secundária a uma neuroglicopenia grave, ou seja, a privação de glicose no cérebro. A hipoglicemia é definida por valores de glicemia plasmática abaixo do normal para a faixa etária (geralmente < 70 mg/dL em crianças e < 50 mg/dL em neonatos). O cérebro é o órgão mais vulnerável, pois depende quase exclusivamente da glicose como fonte de energia e não possui estoques significativ

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Conduta Completa

Definição e Fisiopatologia O Coma Hipoglicêmico é uma emergência neurológica caracterizada pela perda de consciência secundária a uma neuroglicopenia grave, ou seja, a privação de glicose no cérebro. A hipoglicemia é definida por valores de glicemia plasmática abaixo do normal para a faixa etária (geralmente < 70 mg/dL em crianças e < 50 mg/dL em neonatos). O cérebro é o órgão mais vulnerável, pois depende quase exclusivamente da glicose como fonte de energia e não possui estoques significativos. A falta de glicose compromete a função neuronal, levando a um espectro de sintomas que pode progredir rapidamente de confusão para convulsões e coma, resultando em lesão cerebral permanente se a condição não for revertida imediatamente. Em resposta à queda da glicemia, o corpo ativa uma cascata de hormônios contrarregulatórios: 1. Primeira Defesa: Redução da secreção de insulina. 2. Segunda Defesa: Liberação de Glucagon e Epinefrina, que estimulam a produção hepática de glicose (glicogenólise). 3. Defesa Tardia: Liberação de Cortisol e Hormônio do Crescimento (GH), que diminuem a utilização periférica de glicose. Etiologia As causas da hipoglicemia variam significativamente com a idade. Neonatos: As causas mais comuns são a prematuridade (reservas de glicogênio limitadas), ser filho de mãe diabética, restrição de crescimento intrauterino, sepse e, mais raramente, o hiperinsulinismo congênito e erros inatos do metabolismo. Lactentes e Crianças Pequenas: A hipoglicemia cetótica de jejum (associada a quadros de gastroenterite com vômitos e baixa ingesta) é a causa mais frequente em crianças previamente saudáveis. Outras causas incluem intoxicações e endocrinopatias. Crianças Maiores e Adolescentes: Em pacientes com Diabetes Mellitus tipo 1, a causa mais comum é o excesso de dose de insulina ou a incompatibilidade entre dose, alimentação e exercício. Em não diabéticos, deve-se investigar causas mais raras como insulinoma ou insuficiência adrenal. Manifestações Clínicas Os sintomas resultam da ativação autonômica (alerta do corpo) e da neuroglicopenia (sofrimento cerebral). Sintomas Autonômicos (Adrenérgicos) - Sinais de Alerta: Sudorese, tremores, palidez. Taquicardia, palpitações. Ansiedade, fome intensa. Sintomas Neuroglicopênicos (Sinais de Gravidade): Confusão mental, irritabilidade, alterações de comportamento. Cefaleia, visão turva, fala arrastada. Sonolência, letargia. Convulsões. Coma. Em neonatos e lactentes, os sinais podem ser sutis e inespecíficos, como hipotonia, recusa alimentar, apneia ou hipotermia. Diagnóstico e Manejo de Emergência A abordagem segue o princípio "trate primeiro, investigue depois". 1. Reconhecimento e ABCDE: Para todo paciente com alteração do nível de consciência, a verificação da glicemia capilar é o passo "D" (Disability) prioritário e deve ser feita imediatamente. 2. Correção Imediata da Hipoglicemia: Via de Escolha: Endovenosa (IV). Administra-se um bolus de glicose hipertônica. A concentração varia com a idade (Glicose 10% para neonatos, Glicose 25% para crianças). Alternativa (sem acesso IV): Glucagon Intramuscular (IM). É eficaz se o paciente tiver reservas de glicogênio no fígado (não funciona bem em desnutridos ou em hipoglicemia por jejum prolongado). 3. Prevenção da Recorrência: Após o bolus inicial, é mandatório iniciar uma infusão contínua de glicose endovenosa para manter a normoglicemia, pois o efeito do bolus é transitório. 4. Coleta da "Amostra Crítica": Se a situação permitir, antes de administrar a glicose, deve-se coletar uma amostra de sangue para investigar a causa da hipoglicemia. Esta amostra é enviada para dosagens de insulina, peptídeo C, cortisol, GH, lactato, beta-hidroxibutirato e ácidos graxos livres. A análise conjunta desses valores permite o diagnóstico etiológico. Investigação Etiológica Posterior A interpretação da "amostra crítica" guia a investigação. Por exemplo, uma hipoglicemia com níveis de insulina e peptídeo C inapropriadamente elevados sugere hiperinsulinismo. Níveis baixos de cortisol e GH apontam para deficiências hormonais. Prognóstico O prognóstico neurológico é diretamente dependente da duração e da gravidade da neuroglicopenia. Episódios curtos e prontamente corrigidos geralmente não deixam sequelas. No entanto, o coma hipoglicêmico prolongado ou convulsões recorrentes podem causar lesão cerebral permanente, resultando em deficiência cognitiva, epilepsia e déficits motores. Referências Bibliográficas 1. Thornton, P. S., Stanley, C. A., De Leon, D. D., et al. (2015). Recommendations from the Pediatric Endocrine Society for Evaluation and Management of Persistent Hypoglycemia in Neonates, Infants, and Children. The Journal of Pediatrics, 167(2), 238-245. (A principal diretriz clínica da Sociedade de Endocrinologia Pediátrica sobre o tema). 2. Cryer, P. E. (2016). Hypoglycemia in diabetes: pathophysiology, prevalence, and prevention. American Diabetes Association. (Livro de referência completo sobre a fisiopatologia da hipoglicemia no contexto do diabetes). 3. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2018). Hipoglicemia no período neonatal. Documento Científico. (Diretriz nacional focada no período de maior vulnerabilidade). 4. Hay, W. W. Jr., et al. (2009). Knowledge gaps and research needs for understanding and treating neonatal hypoglycemia: workshop report from Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human Development. The Journal of Pediatrics, 155(5), 612-617. (Artigo importante que delineia as complexidades e as áreas de incerteza no manejo da hipoglicemia neonatal). 5. Lang, T. F., & Hsia, D. S. (2020). Management of Hypoglycemia. Endocrinology and Metabolism Clinics of North America, 49(3), 577-591. (Revisão atualizada sobre o manejo geral da hipoglicemia). 6. Stanley, C. A. (2016). Perspective on the Genetics and Diagnosis of Congenital Hyperinsulinism Disorders. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, 101*(3), 815-826. (Referência chave para a investigação da principal causa de hipoglicemia persistente em lactentes).

Tratamento

Orientações ao Prescritor Qualquer criança com alteração do nível de consciência (confusão, convulsão ou coma) deve ter a glicemia capilar verificada imediatamente. A hipoglicemia grave é uma emergência neurológica. A prioridade é restaurar a glicemia cerebral o mais rápido possível. Prescrição de Ação Imediata na Emergência 1. Monitorização, Oxigênio e Acesso Vascular (ABC): Instalar monitor multiparamétrico e oferecer oxigênio a 100%. Posicionar paciente em decúbito lateral. Obter acesso IV ou IO e coletar glicemia capilar imediatamente. 2. Coletar "Amostra Crítica": Se possível, antes de administrar glicose, coletar 1 tubo de sangue seco e 1 tubo de heparina para investigação etiológica (insulina, peptídeo C, cortisol, etc.). 3. Iniciar Correção da Hipoglicemia (conforme acesso disponível): Prescrição para Correção da Hipoglicemia Terapia de Primeira Linha (Com Acesso IV/IO) Objetivo: Administrar 0,5 g/kg de glicose. Prescrição para Crianças: Glicose 25%, na dose de 2 mL/kg, IV, em bolus lento (2-3 minutos). Prescrição para Neonatos: Glicose 10%, na dose de 5 mL/kg, IV, em bolus lento (2-3 minutos). Exemplo (criança de 15 kg): 1. Glicose 25%, 30 mL, IV, agora. Reavaliar a glicemia capilar em 10-15 minutos. Se persistir baixa, repetir o bolus. Terapia de Segunda Linha (Sem Acesso IV/IO) Droga: Glucagon. Dose: Se peso < 25 kg: 0,5 mg, via Intramuscular (IM). Se peso ≥ 25 kg: 1,0 mg, via Intramuscular (IM). Exemplo: 1. Glucagon 1 mg, IM, agora. Observação: O Glucagon leva 10-20 minutos para agir. Assim que o paciente recuperar a consciência, oferecer carboidratos por via oral. Obter acesso IV assim que possível. Prescrição para Manutenção da Glicemia (Obrigatória) Objetivo: Prevenir a recorrência da hipoglicemia após a correção inicial. Prescrição: Iniciar infusão contínua de Soro Glicosado para manter uma Taxa de Infusão de Glicose (TIG) de 4 a 8 mg/kg/minuto. Exemplo de Prescrição para Manutenção (criança de 15 kg, alvo TIG de 6 mg/kg/min): 1. Iniciar infusão de Soro Glicosado 10% a 54 mL/hora, IV contínuo em bomba de infusão. Fórmula para Cálculo da Velocidade (mL/h) para SG 10%: (TIG desejada x Peso x 0,6). 2. Monitorar glicemia capilar a cada hora e ajustar a TIG para manter a glicemia entre 80-150 mg/dL. Se a glicemia continuar caindo, aumentar a TIG. Se subir muito, reduzir a TIG, mas não suspender a infusão até que a causa base seja tratada e a alimentação oral segura seja estabelecida. Prescrição para Tratamento Domiciliar de Hipoglicemia Leve (Pacientes Diabéticos Orientados) Indicação: Paciente consciente, capaz de engolir, com glicemia < 70 mg/dL. Aplicar a "Regra dos 15": 1. Oferecer 15 gramas de carboidrato de ação rápida, como: 150 mL de suco de laranja integral ou * 1 colher de sopa de açúcar ou mel. 2. Aguardar 15 minutos e verificar a glicemia capilar novamente. 3. Se a glicemia permanecer < 70 mg/dL, repetir o passo 1. 4. Após a normalização da glicemia, oferecer um lanche com carboidrato complexo e proteína (ex: pão com queijo) para manter a estabilidade.

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