Crises epiléticas

Resumo

1. Definição e Contexto Clínico Crise Epiléptica: Evento transitório por descarga neuronal excessiva. Estado de Mal Epiléptico (EME): Crise contínua > 5 minutos ou crises recorrentes sem recuperação da consciência. Condição tempo-dependente, associada a lesão neuronal e alta morbimortalidade. Pediatria: Causa frequente de emergência. 2. Etiologia e Fatores de Risco Essenciais Causas Agudas: Hipoglicemia, hiponatremia, encefalites, meningites, TCE, AVC, intoxicações. Em Epilépticos: Má adesão, privação de sono, febre. Neonatos: Hipóxia isquêmica, hemorragias, erros inatos do metabolismo, dependência de piridoxina. 3. Avaliação Clínica e Diagnóstico Rápido Manifestações: Crises tônico-clônicas generalizadas (perda de consciência, fases tônica/clônica, pós-ictal). Crises focais (automatismos, alterações sensoriais). Considerar EME não convulsivo se alteração de consciência persistente sem movimentos. Exame Físico Imediato: ABC (Via Aérea, Respiração, Circulação). Glicemia capilar imediata (em todos). Avaliar sinais de trauma, meningismo, foco neurológico. Documentar tempo de crise e resposta a medicações. Sinais de Alerta/Gravidade: Crise > 5 minutos (EME). Refratário: persiste após benzodiazepínico + uma segunda linha. Indicadores de UTI: necessidade de via aérea avançada, instabilidade hemodinâmica, refratariedade. Diagnóstico Diferencial: Síncope convulsiva, crises psicogênicas. 4. Exames Complementares Críticos Laboratoriais: Glicemia capilar (obrigatório). Eletrólitos (Na, K, Ca, Mg), função renal/hepática, hemograma (conforme contexto). Níveis séricos de anticonvulsivantes (em usuários). Imagem/Outros: TC de Crânio: Na primeira crise com déficit focal, trauma, alteração persistente do estado mental ou imunossupressão. Punção Lombar: Suspeita de neuroinfecção (após excluir hipertensão intracraniana). EEG: Para EME não convulsivo e seguimento. 5. Manejo e Tratamento: Algoritmo Temporal Integrado Princípios Gerais: Interromper a crise rapidamente, tratar causas precipitantes, prevenir recorrências. Garantir segurança, posicionar em decúbito lateral, oxigênio suplementar, monitorização contínua e acesso venoso. Corrigir hipoglicemia imediatamente. --- 0 a 5 minutos: Suporte Inicial ABC, Oximetria, Acesso Venoso (ou IO), Glicemia Capilar. Oxigênio suplementar (SatO₂ > 92%). Corrigir Hipoglicemia: Crianças/Lactentes: D10W 5 mL/kg IV em bolus. Neonatos: D10W 2 mL/kg IV em bolus. 5 a 20 minutos: Primeira Linha (Benzodiazepínicos) - Escolher APENAS UMA opção Com Acesso IV: Lorazepam: 0,1 mg/kg IV lento (máx. 4 mg). Pode repetir 1x após 5 min. OU Diazepam: 0,15-0,2 mg/kg IV lento (máx. 10 mg). Pode repetir 1x após 5 min. Sem Acesso IV (Priorizar): Midazolam Intranasal: 0,2 mg/kg dose única (máx. 10 mg), dividir entre narinas. OU Midazolam Intramuscular: 0,2 mg/kg (máx. 10 mg). OU Midazolam Bucal: 0,3-0,5 mg/kg (máx. 10 mg). Alternativas Domiciliares (Resgate): Diazepam retal (0,5 mg/kg, máx. 20 mg) ou Midazolam intranasal. 20 a 40 minutos: Segunda Linha (Fármaco Único e Completo) - Escolher APENAS UM Fosfenitoína: 20 mg PE/kg IV (máx. 1500 mg PE), velocidade até 150 mg PE/min. Monitorar ECG e PA. OU Levetiracetam: 40 a 60 mg/kg IV em 10-15 min (máx. 4500 mg). OU Valproato de Sódio: 20 a 40 mg/kg IV em 10-15 min (máx. 3000 mg). CUIDADO: Evitar em hepatopatia, distúrbios do ciclo da ureia, suspeita de mitocondriopatia ou menores com risco metabólico. (Alternativa à Fosfenitoína se não disponível: Fenitoína 20 mg/kg IV, máx. 50 mg/min em adultos ou 1-3 mg/kg/min em crianças, monitorização contínua). > 40 a 60 minutos: EME Refratário (Manejo em UTI) Via Aérea Avançada e EEG Contínuo. Midazolam: Bolus 0,2 mg/kg IV, seguido de infusão contínua 0,05 a 0,2 mg/kg/h (titular até supressão eletroclínica). OU Propofol: Bolus 1 a 2 mg/kg IV, seguido de infusão contínua 20 a 80 mcg/kg/min. CUIDADO: Evitar infusões prolongadas/altas em crianças (risco de síndrome da infusão). OU Fenobarbital: Ataque 20 mg/kg IV em 20 min (máx. 1000 mg). Doses adicionais de 5-10 mg/kg podem ser consideradas. Particularidades Neonatais Fenobarbital: 20 mg/kg IV em 20 min, pode repetir 10 mg/kg até total de 40 mg/kg. Levetiracetam: 40 a 60 mg/kg IV em 15 min. Prova de Piridoxina: 100 mg IV lento em refratariedade e suspeita clínica (monitorização cardiorrespiratória e EEG). 6. Complicações e Monitoramento Complicações: Depressão respiratória/hipotensão (fármacos), rabdomiólise, hipertermia, edema cerebral, déficits neurológicos. Monitoramento: Oximetria, ECG, PA contínuos. Gasometria, CPK, eletrólitos seriados. 7. Prognóstico e Prevenção Prognóstico: Depende da etiologia e duração do EME. Atraso terapêutico piora desfechos. Prevenção: Adesão rigorosa ao tratamento, higiene do sono, evitar gatilhos. Plano de resgate domiciliar com Midazolam intranasal ou Diazepam retal para cuidadores treinados.

Categoria

Urgências e Emergências > Emergências Neurológicas > Crises epiléticas

Conduta Completa

1. Definição e Contexto Clínico Crise epiléptica é evento transitório por descarga neuronal excessiva ou síncrona, com manifestações motoras, sensoriais, autonômicas ou comportamentais. Estado de mal epiléptico é crise contínua com duração maior que 5 minutos, ou crises recorrentes sem recuperação da consciência entre elas, condição tempo dependente associada a lesão neuronal e alta morbimortalidade. Em pediatria, é causa frequente de atendimento emergencial e internação. 2. Fisiopatologia Predomínio de excitação glutamatérgica e falha de inibição gabaérgica elevam a excitabilidade cortical. No estado de mal, há falência dos mecanismos de término da crise, internalização de receptores GABA-A, upregulation de receptores NMDA, aumento do consumo metabólico cerebral e cascata de excitotoxicidade, hipóxia, acidose lática e edema, com repercussões sistêmicas como hipertermia e rabdomiólise. 3. Etiologia e Fatores de Risco Causas agudas: hipoglicemia, hiponatremia, hipocalcemia, encefalites, meningites, TCE, AVC, intoxicações e abstinência de depressores do SNC. Em epilépticos, gatilhos incluem má adesão, privação de sono, febre e fármacos que reduzem o limiar convulsivo. Faixa etária pediátrica tem maior proporção de etiologias infecciosas e metabólicas; neonatos apresentam perfil distinto, com maior resposta a fenobarbital e etiologias como hipóxia isquêmica, hemorragias, erros inatos e dependência de piridoxina. 4. Avaliação Clínica e Diagnóstico Manifestações clínicas Crises tônico clônicas generalizadas cursam com perda de consciência, fase tônica seguida de fase clônica e período pós ictal. Crises focais podem cursar com automatismos, alterações sensoriais e autonômicas, ou parada comportamental. Considerar estado de mal não convulsivo quando alteração de consciência persiste sem movimentos convulsivos. Exame físico Abordagem ABC, glicemia capilar imediata, avaliação de sinais de trauma, meningismo, foco neurológico e estado pós ictal. Documentar tempo de crise e resposta a medicações. Avaliação de gravidade Crise autolimitada, estado de mal estabelecido maior que 5 minutos, refratário quando persiste após benzodiazepínico e uma segunda linha adequada. Indicadores de UTI incluem necessidade de via aérea avançada, instabilidade hemodinâmica, refratariedade e etiologia potencialmente grave. Diagnóstico diferencial Síncope convulsiva, crises psicogênicas, distúrbios do movimento, AIT e enxaqueca com aura. Em lactentes, considerar espasmos infantis e movimentos paroxísticos não epilépticos. 5. Exames Complementares Laboratoriais Glicemia capilar em todos. Eletrólitos, cálcio, magnésio, função renal e hepática, hemograma e marcadores inflamatórios conforme contexto. Níveis séricos de anticonvulsivantes em usuários. Toxicologia quando indicado. Em adolescentes, beta HCG quando pertinente. Imagem e outros TC de crânio na primeira crise com déficit focal, trauma, alteração persistente do estado mental ou imunossupressão. RM para investigação definitiva. Punção lombar em suspeita de neuroinfecção após excluir hipertensão intracraniana. EEG na emergência para estado de mal não convulsivo e no seguimento para classificação e ajuste terapêutico. 6. Manejo e Tratamento Princípios gerais Interromper a crise rapidamente, tratar causas precipitantes e prevenir recorrências. Garantir segurança, posicionar em decúbito lateral, oxigênio suplementar, monitorização contínua e acesso venoso. Corrigir hipoglicemia de forma imediata. Algoritmo temporal resumido 0 a 5 minutos, suporte, oximetria, acesso venoso, glicemia, oxigênio. 5 a 20 minutos, benzodiazepínico de primeira linha, preferir lorazepam IV, diazepam IV, ou midazolam IM, intranasal ou bucal quando sem acesso venoso. 20 a 40 minutos, segunda linha única e completa, fosfenitoína, levetiracetam ou valproato, escolher um, iniciar sem aguardar resposta plena do benzodiazepínico. Maior que 40 a 60 minutos, refratário, manejo em UTI com infusão contínua de anestésicos e EEG contínuo. Considerações farmacológicas Fosfenitoína é preferível à fenitoína pela segurança cardiovascular. Valproato evitar em doença hepática, distúrbios do ciclo da ureia, erro inato suspeito ou crianças pequenas com suspeita de doença mitocondrial. Em lactentes e neonatos, fenobarbital permanece pilar inicial. Propofol em crianças deve ser usado com cautela, evitar infusões prolongadas e altas por risco de síndrome da infusão. Particularidades neonatais Fenobarbital como primeira linha, avaliar hipoglicemia e distúrbios eletrolíticos agressivamente. Considerar levetiracetam como alternativa ou adjuvante. Em refratariedade e suspeita clínica, prova de piridoxina IV pode ser diagnóstica e terapêutica, com monitorização cardiorrespiratória. 7. Complicações Depressão respiratória e hipotensão por fármacos, rabdomiólise e insuficiência renal, hipertermia, edema cerebral e lesão neuronal com déficits cognitivos e motores. Eventos trombóticos e arritmias em contexto crítico. 8. Prognóstico e Seguimento Depende da etiologia e da duração do estado de mal. Atraso terapêutico associa se a piores desfechos. Após primeira crise não provocada, o risco de recorrência é de 40 a 50 por cento em dois anos. Seguimento com neurologia, EEG e imagem conforme indicação, educação familiar, plano de resgate domiciliar e otimização de adesão medicamentosa. 9. Prevenção Em epilépticos, adesão rigorosa ao tratamento, higiene do sono e evitar gatilhos. Plano escrito de resgate com midazolam intranasal ou diazepam retal para cuidadores treinados. Uso de capacete em síndromes com quedas, orientação sobre segurança na água e esportes. Em adolescentes, aconselhamento sobre álcool e substâncias. Referências AMERICAN EPILEPSY SOCIETY. Evidence based guideline and treatment algorithm for convulsive status epilepticus. Chicago, 2016. FISHER, R. S. et al. ILAE official report, a practical clinical definition of epilepsy. Epilepsia, 55, 475 482, 2014. KAPUR, J. et al. Randomized trial of levetiracetam, fosphenytoin, or valproate for established status epilepticus. New England Journal of Medicine, 381, 2103 2113, 2019. NATIONAL INSTITUTE FOR HEALTH AND CARE EXCELLENCE. Epilepsies in children, young people and adults, guideline NG217. London, 2022. TRINKA, E. et al. A definition and classification of status epilepticus, report of the ILAE Task Force. Epilepsia, 56, 1515 1523, 2015. ROYAL CHILDREN’S HOSPITAL MELBOURNE. Clinical Practice Guideline, Seizures, acute management. Melbourne, 2023. SÁNCHEZ, S., RYAN, N. Status epilepticus. Emergency Medicine Clinics of North America, 38, 835 853, 2020.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor Objetivo primário, cessar a atividade convulsiva de forma rápida e segura, corrigir precipitantes e evitar recorrência. Sequência farmacológica, benzodiazepínico como primeira linha, seguido de uma única segunda linha completa, sem alternar várias drogas em subdoses. Preparar via aérea e ventilação assistida quando necessário. Em pediatria, privilegiar vias não venosas no pré hospital e sala de emergência quando o acesso falhar, intranasal, bucal, intramuscular. 2. Prescrição para Avaliação Inicial e Suporte 1. Oxigênio suplementar por cateter nasal ou máscara, titular para SatO₂ maior que 92 por cento. 2. Acesso venoso periférico calibroso, ou via intraóssea se sem acesso. 3. Glicemia capilar imediata. Se hipoglicemia, administrar glicose IV, lactentes e crianças, D10W 5 mL/kg em bolus, repetir conforme resposta, neonatos, D10W 2 mL/kg. 4. Hidratação venosa, Soro Fisiológico 0,9 por cento, em manutenção, ajustar por estado hemodinâmico. 5. Colher exames conforme contexto, eletrólitos, cálcio, magnésio, função renal e hepática, hemograma, PCR, níveis de anticonvulsivantes, toxicológico quando indicado. 3. Esquemas Terapêuticos por Fase Fase 1, 5 a 20 minutos, primeira linha, escolha apenas uma opção completa Com acesso IV 1. Lorazepam solução injetável. Dose, 0,1 mg/kg IV lento, máximo 4 mg, pode repetir uma vez após 5 minutos se necessário. Ou 2. Diazepam solução injetável 5 mg/mL. Dose, 0,15 a 0,2 mg/kg IV lento em 2 minutos, máximo 10 mg, pode repetir uma vez após 5 minutos. Sem acesso IV 1. Midazolam solução 5 mg/mL, intranasal com atomizador, 0,2 mg/kg dose única, máximo 10 mg. Dividir entre as narinas. Ou 2. Midazolam intramuscular, 0,2 mg/kg, máximo 10 mg. Ou 3. Midazolam bucal, 0,3 a 0,5 mg/kg, máximo 10 mg. Alternativas domiciliares de resgate 1. Diazepam retal, gel, 0,5 mg/kg dose única, máximo 20 mg. 2. Midazolam intranasal conforme peso, 0,2 mg/kg, máximo 10 mg. Fase 2, 20 a 40 minutos, segunda linha, escolher um fármaco e administrar dose completa 1. Fosfenitoína solução injetável, dose de ataque 20 mg PE/kg IV, máximo 1500 mg PE, velocidade até 150 mg PE/min, monitorização de ECG e PA. Alternativa quando fosfenitoína não disponível Fenitoína solução injetável 50 mg/mL, 20 mg/kg IV, concentração final até 10 mg/mL, velocidade máxima 50 mg/min em adultos ou 1 a 3 mg/kg/min em crianças, monitorização contínua. Ou 2. Levetiracetam solução injetável, 40 a 60 mg/kg IV em 10 a 15 minutos, máximo 4500 mg. Ou 3. Valproato de sódio solução injetável, 20 a 40 mg/kg IV em 10 a 15 minutos, máximo 3000 mg, evitar em hepatopatia, erro do ciclo da ureia, suspeita de mitocondriopatia ou menores com risco metabólico. Observação Não fracionar doses subterapêuticas. Escolher uma segunda linha conforme perfil do paciente, hemodinâmica, comorbidades e interações. Fase 3, maior que 40 a 60 minutos, refratário, manejo em UTI Via aérea avançada, EEG contínuo. 1. Midazolam • Bolus 0,2 mg/kg IV. • Infusão contínua inicial 0,05 a 0,2 mg/kg/h, titular até supressão eletroclínica, pode escalar até 2 mg/kg/h conforme protocolo institucional. 2. Propofol • Bolus 1 a 2 mg/kg IV. • Infusão contínua 20 a 80 mcg/kg/min, evitar infusões prolongadas em crianças e altas taxas por risco de síndrome da infusão. 3. Fenobarbital • Ataque 20 mg/kg IV em 20 minutos, máximo 1000 mg. • Doses adicionais de 5 a 10 mg/kg podem ser consideradas, monitorizar ventilação e hemodinâmica. Particularidades neonatais 1. Fenobarbital 20 mg/kg IV em 20 minutos, pode repetir 10 mg/kg até total 40 mg/kg. 2. Levetiracetam 40 a 60 mg/kg IV em 15 minutos, máximo 60 mg/kg na dose de ataque. 3. Midazolam bolus 0,15 a 0,2 mg/kg IV, considerar infusão contínua conforme resposta. 4. Prova de piridoxina em refratariedade e suspeita clínica, 100 mg IV lento, monitorização cardiorrespiratória e EEG. Tratamento de causas precipitantes Correção de hipoglicemia conforme item de suporte. Hiponatremia grave com salina hipertônica 3 por cento, 2 mL/kg IV em bolus, repetir conforme sódio e clínica. Temperar febre e tratar foco infeccioso quando houver. Suspender agentes pró convulsivantes. 4. Monitoramento da Terapia Monitorização contínua de oximetria, ECG e pressão arterial durante benzodiazepínicos e drogas de segunda linha. Gasometria para detecção de acidose, CPK para rabdomiólise, eletrólitos seriados. EEG contínuo em refratariedade e qu

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