Estado de mal epiléptico (EME)

Resumo

Definição e Fisiopatologia O Status Epilepticus (SE), ou Estado de Mal Epiléptico, é uma emergência neurológica definida por uma crise epiléptica contínua com duração de 5 minutos ou mais, ou pela ocorrência de duas ou mais crises sem recuperação completa da consciência entre elas. A antiga definição de 30 minutos foi abandonada, pois a lesão neuronal por excitotoxicidade começa muito antes, e o tratamento deve ser iniciado imediatamente. A fisiopatologia do SE envolve uma falha nos mecanismos

Categoria

Urgências e Emergências > Emergências Neurológicas > Estado de mal epiléptico (EME)

Conduta Completa

Definição e Fisiopatologia O Status Epilepticus (SE), ou Estado de Mal Epiléptico, é uma emergência neurológica definida por uma crise epiléptica contínua com duração de 5 minutos ou mais, ou pela ocorrência de duas ou mais crises sem recuperação completa da consciência entre elas. A antiga definição de 30 minutos foi abandonada, pois a lesão neuronal por excitotoxicidade começa muito antes, e o tratamento deve ser iniciado imediatamente. A fisiopatologia do SE envolve uma falha nos mecanismos endógenos que normalmente terminam uma crise epiléptica. Há um desequilíbrio entre a neurotransmissão excitatória (glutamato) e inibitória (GABA). Com o tempo, os receptores GABA se internalizam, tornando os benzodiazepínicos (que agem nesses receptores) menos eficazes, o que reforça a necessidade de um tratamento rápido e escalonado. Essa atividade neuronal incessante leva a um aumento maciço do metabolismo cerebral, hipóxia, acidose lática e, por fim, à morte neuronal e lesão cerebral permanente. Classificação e Etiologia O SE pode ser classificado de várias formas, mas a abordagem mais prática na emergência considera a presença de movimentos e a causa subjacente. SE Convulsivo: É a forma mais comum e reconhecível, com atividade motora tônico-clônica evidente. SE Não Convulsivo: Mais sutil, manifesta-se por alteração do estado de consciência, confusão ou comportamentos anormais, com diagnóstico confirmado por Eletroencefalograma (EEG). A etiologia varia drasticamente com a idade e é o principal determinante do prognóstico. Causas Principais em Crianças: Crises Febris: A causa mais comum de SE em crianças entre 6 meses e 5 anos. Infecções do SNC: Meningites e encefalites. Distúrbios Metabólicos: Hipoglicemia, hiponatremia, hipocalcemia. Epilepsia Prévia: Má adesão ou ajuste inadequado de anticonvulsivantes. Trauma Cranioencefálico. Intoxicações. Avaliação e Manejo Inicial (Os Primeiros 5 Minutos) O manejo do SE é uma corrida contra o tempo. A abordagem inicial segue o ABCDE da reanimação. 1. Estabilização e Suporte Vital: A (Airway): Posicionar o paciente em decúbito lateral para prevenir aspiração. Aspirar secreções. Considerar cânula orofaríngea. B (Breathing): Oferecer oxigênio a 100% por máscara não reinalante. Monitorar a saturação de oxigênio e o padrão respiratório. C (Circulation): Obter acesso venoso periférico imediatamente. Se houver falha, a via intraóssea é a alternativa. Monitorar frequência cardíaca e pressão arterial. D (Disability): Verificar a glicemia capilar imediatamente. A hipoglicemia é uma causa comum e facilmente reversível de SE. E (Exposure): Verificar a temperatura e procurar por sinais de trauma ou infecção. Tratamento Farmacológico Escalonado O tratamento é protocolar e baseado no tempo de crise. Fase 1: Terapia de Primeira Linha (5 a 10 minutos de crise) Classe de Drogas: Benzodiazepínicos. São os mais eficazes no início do SE. Droga de Escolha (se acesso IV disponível): Lorazepam. Tem um início de ação rápido e uma duração mais longa no cérebro em comparação com o diazepam. Alternativas: Diazepam (IV ou retal) ou Midazolam (intramuscular, intranasal ou bucal), especialmente úteis no ambiente pré-hospitalar ou quando o acesso IV é difícil. Fase 2: Terapia de Segunda Linha (10 a 30 minutos de crise) Indicação: Se a crise não cessa após duas doses de benzodiazepínicos. Classe de Drogas: Anticonvulsivantes não benzodiazepínicos de longa ação. Drogas de Escolha: Fosfenitoína (preferível por ter menos risco de hipotensão e arritmias), Fenitoína, Ácido Valproico ou Levetiracetam. A escolha pode depender da etiologia suspeita, comorbidades e disponibilidade. Fase 3: Status Epiléptico Refratário (Crise > 30-60 minutos) Definição: SE que persiste apesar do tratamento com um benzodiazepínico e um anticonvulsivante de segunda linha. Manejo: O paciente deve ser admitido em UTI, intubado e colocado em coma induzido com infusão contínua de anestésicos, sob monitoramento contínuo com EEG para guiar a terapia. Drogas Utilizadas: Infusão contínua de Midazolam, Propofol ou Pentobarbital. Investigação Etiológica Paralelamente ao tratamento, a investigação da causa do SE é fundamental. Exames Laboratoriais: Glicemia, eletrólitos, cálcio, magnésio, hemograma, função renal e hepática, e níveis de anticonvulsivantes (se o paciente já faz uso). Punção Lombar: Indicada se houver suspeita de infecção do SNC (meningite/encefalite), geralmente após um exame de imagem para descartar hipertensão intracraniana. Neuroimagem (TC ou RM de Crânio): Indicada na primeira crise de SE, em casos de trauma, ou se houver sinais neurológicos focais. Prognóstico O prognóstico do SE é diretamente relacionado a dois fatores: a duração da crise e a etiologia subjacente. SE de curta duração e de causa febril tem excelente prognóstico, enquanto SE prolongado causado por uma lesão cerebral aguda (como anóxia ou encefalite) tem alta mortalidade e risco de sequelas neurológicas graves. Referências Bibliográficas 1. Glauser, T., et al. (2016). Evidence-Based Guideline: Treatment of Convulsive Status Epilepticus in Children and Adults: Report of the Guideline Committee of the American Epilepsy Society. Epilepsy Currents, 16(1), 48-61. (A principal diretriz baseada em evidências para o tratamento do SE). 2. Trinka, E., et al. (2015). A definition and classification of status epilepticus--Report of the ILAE Task Force on Classification of Status Epilepticus. Epilepsia, 56(10), 1515-1523. (O artigo que redefiniu o SE, fundamental para a prática atual). 3. Brophy, G. M., et al. (2012). Guidelines for the evaluation and management of status epilepticus. Neurocritical Care, 17(1), 3-23. (Diretrizes abrangentes da Neurocritical Care Society). 4. Dalziel, S. R., et al. (2019). Levetiracetam versus phenytoin for second-line treatment of convulsive status epilepticus in children (ConSEPT): an open-label, multicentre, randomised controlled trial. The Lancet, 393(10186), 2135-2145. (Um dos estudos randomizados mais importantes comparando drogas de segunda linha). 5. Lyttle, M. D., et al. (2019). Levetiracetam versus phenytoin for second-line treatment of paediatric convulsive status epilepticus (EcLiPSE): a multicentre, open-label, randomised trial. The Lancet, 393(10186), 2125-2134. (Outro estudo randomizado fundamental sobre o tratamento de segunda linha). 6. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2018). Manejo das crises convulsivas na emergência pediátrica. Documento Científico. (Diretriz nacional).

Tratamento

Orientações ao Prescritor O tratamento do Status Epilepticus é protocolar e tempo-dependente. As ações devem ser rápidas e em paralelo. A prioridade é cessar a crise o mais rápido possível para minimizar a lesão neuronal. Prescrição de Ação Imediata (0-5 Minutos de Crise) 1. Posicionar o paciente em decúbito lateral. Aspirar vias aéreas se necessário. 2. Oferecer Oxigênio a 100% por máscara não reinalante. 3. Monitorização Contínua: Instalar monitor cardíaco, oximetria de pulso e monitor de pressão arterial. 4. Obter acesso vascular (IV ou IO). 5. Verificar Glicemia Capilar IMEDIATAMENTE. Se Glicemia < 60 mg/dL, prescrever: Glicose 25%, 2 mL/kg, IV, em bolus. Prescrição para a Fase 1: Terapia de Primeira Linha (5-10 Minutos) Objetivo: Cessar a crise com um benzodiazepínico. Opção 1 (Acesso IV disponível - Escolha): Lorazepam 0,1 mg/kg, IV, lento (máx. 4 mg/dose). Se a crise persistir por 3-5 min, repetir a dose. Opção 2 (Sem acesso IV disponível): Midazolam 0,2 mg/kg, via Intramuscular (IM) (máx. 10 mg). Opção 3 (Alternativa sem acesso IV): Diazepam 0,5 mg/kg, via Retal (gel retal) (máx. 10 mg). Prescrição para a Fase 2: Terapia de Segunda Linha (10-30 Minutos) Indicação: Crise que não cessou após 2 doses de benzodiazepínicos. Objetivo: Administrar um anticonvulsivante de longa ação. Opção 1 (Escolha em muitas diretrizes): Fosfenitoína 20 mg PE/kg (PE = Equivalente de Fenitoína), IV, infundir a 3 mg PE/kg/min. Opção 2 (Alternativa comum): Levetiracetam 60 mg/kg, IV, infundir em 10-15 minutos (máx. 4500 mg). Opção 3 (Alternativa): Ácido Valproico 40 mg/kg, IV, infundir em 10-15 minutos (máx. 3000 mg). Opção 4 (Clássica): Fenitoína 20 mg/kg, IV, infundir a 1 mg/kg/min (máx. 50 mg/min). Requer monitorização cardíaca contínua. Prescrição para a Fase 3: Status Epiléptico Refratário (>30-60 Minutos) Indicação: Crise refratária às terapias de primeira e segunda linha. O paciente deve ser transferido para a UTI e intubado. Objetivo: Induzir coma farmacológico para suprimir a atividade elétrica cerebral, guiado por EEG contínuo. Exemplo de Prescrição para Infusão Contínua: 1. Admitir em UTI Pediátrica. 2. Realizar Intubação Orotraqueal e iniciar Ventilação Mecânica. 3. Iniciar infusão contínua de Midazolam: Bolus: 0,2 mg/kg, IV. Infusão: Iniciar com 0,1 mg/kg/hora e titular a dose (aumentando 0,1 mg/kg/h a cada 15 min) até a cessação das crises clínicas e eletrográficas. 4. Solicitar EEG contínuo à beira-leito. Prescrição para Investigação Etiológica 1. Coletar Exames Laboratoriais: Hemograma, eletrólitos (Na, K, Ca, Mg), função renal e hepática, gasometria venosa. Se o paciente usa anticonvulsivantes, dosar o nível sérico. 2. Se houver febre ou suspeita de infecção do SNC: Coletar Hemoculturas. Após estabilização e, se indicado, exame de imagem, prescrever Punção Lombar para análise do líquor (celularidade, bioquímica, Gram, cultura). 3. Se primeira crise de SE, trauma ou sinais focais: Solicitar Tomografia Computadorizada de Crânio sem contraste, com urgência.

Acesso Interativo

Acesse o conteúdo completo e interativo em Estado de mal epiléptico (EME)