Insuficiência Respiratória Aguda

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A Insuficiência Respiratória Aguda (IRpA) é uma síndrome clínica definida pela incapacidade do sistema respiratório em manter a oxigenação e/ou a ventilação (remoção de CO₂) adequadas para atender às demandas metabólicas do corpo. É a via final comum de múltiplas doenças pediátricas e a principal causa de admissão em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica. A IRpA é classificada com base no seu mecanismo fisiopatológico principal: Tipo I (Hipoxêmica): Carac

Categoria

Urgências e Emergências > Emergências pediátricas gerais > Insuficiência Respiratória Aguda

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia A Insuficiência Respiratória Aguda (IRpA) é uma síndrome clínica definida pela incapacidade do sistema respiratório em manter a oxigenação e/ou a ventilação (remoção de CO₂) adequadas para atender às demandas metabólicas do corpo. É a via final comum de múltiplas doenças pediátricas e a principal causa de admissão em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica. A IRpA é classificada com base no seu mecanismo fisiopatológico principal: Tipo I (Hipoxêmica): Caracterizada por hipoxemia (PaO₂ < 60 mmHg) com PaCO₂ normal ou baixa. A causa é uma alteração na relação ventilação/perfusão (V/Q), como ocorre em pneumonias, bronquiolite, edema pulmonar ou Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), onde os alvéolos estão preenchidos por fluido ou colapsados, mas ainda recebem fluxo sanguíneo (efeito shunt). Tipo II (Hipercápnica ou Ventilatória): Caracterizada por hipercapnia (PaCO₂ > 50 mmHg) com acidose respiratória (pH < 7,35). A causa é a hipoventilação alveolar, ou seja, a incapacidade de remover o CO₂ produzido. Ocorre por fadiga da musculatura respiratória (como na crise de asma grave), obstrução de vias aéreas (laringite, corpo estranho) ou depressão do sistema nervoso central (intoxicações, trauma craniano). Tipo Misto: Combinação de hipoxemia e hipercapnia, comum em estágios avançados de doenças graves. 2. Avaliação Clínica e Diagnóstico O diagnóstico é clínico, confirmado por exames laboratoriais. O reconhecimento precoce dos sinais de desconforto respiratório é crucial para intervir antes da falência completa. Sinais de Desconforto Respiratório (Trabalho Respiratório Aumentado) Taquipneia: Aumento da frequência respiratória (sinal mais precoce). Tiragens: Retrações intercostais, subcostais e de fúrcula. Batimento de Asas Nasais: Dilatação das narinas durante a inspiração. Gemido Expiratório: Tentativa de gerar uma PEEP fisiológica para manter os alvéolos abertos. Posição de Tripé: Criança sentada e inclinada para frente, apoiando-se nos braços para otimizar o uso da musculatura acessória. Sinais de Falência Respiratória Iminente (Sinais de Gravidade) Alteração do Nível de Consciência: Agitação e irritabilidade (por hipoxemia) ou sonolência e letargia (por hipercapnia). Alteração da Frequência Respiratória: Bradipneia ou respiração irregular após um período de taquipneia é um sinal de fadiga e iminência de parada respiratória. Cianose Central: Coloração azulada da língua e mucosas, um sinal tardio e grave de hipoxemia. Alterações Cardiovasculares: Taquicardia inicial seguida por bradicardia (sinal pré-parada). Exames Complementares Gasometria Arterial: É o exame padrão-ouro para confirmar e classificar a IRpA, quantificando a hipoxemia (PaO₂) e a hipercapnia (PaCO₂). A relação PaO₂/FiO₂ é um índice importante para avaliar a gravidade da lesão pulmonar. Radiografia de Tórax: Essencial para investigar a etiologia (ex: consolidação na pneumonia, hiperinsuflação na asma, infiltrado difuso na SDRA). Oximetria de Pulso: Ferramenta de monitoramento não invasiva e contínua, fundamental para titular a oxigenoterapia. 3. Manejo e Tratamento A abordagem é escalonada, com o objetivo de restaurar a oxigenação e ventilação adequadas. 3.1. Suporte de Oxigênio Objetivo: Manter a saturação de oxigênio (SatO₂) entre 92-97%. Dispositivos (em ordem de escalonamento): Cateter Nasal: Para hipoxemia leve. Máscara Facial Simples ou com Reservatório: Para hipoxemia moderada a grave. Cânula Nasal de Alto Fluxo (CNAF): Altamente eficaz. Fornece oxigênio aquecido e umidificado em altos fluxos, gerando uma leve pressão positiva (CPAP-like), reduzindo o trabalho respiratório e melhorando a oxigenação. 3.2. Ventilação Não Invasiva (VNI) Indicação: Para pacientes com desconforto respiratório moderado a grave que permanecem hipoxêmicos ou hipercápnicos apesar do oxigênio de alto fluxo, mas que ainda estão conscientes e com drive respiratório. Modalidades: CPAP (Pressão Positiva Contínua): Excelente para doenças hipoxêmicas (ex: bronquiolite, edema pulmonar), pois recruta alvéolos. BiPAP (Pressão Positiva em Dois Níveis): Fornece uma pressão inspiratória e uma expiratória. É a escolha para a falência ventilatória (hipercápnica), como na crise de asma ou em doenças neuromusculares, pois ajuda a "descansar" a musculatura. 3.3. Intubação e Ventilação Mecânica Invasiva Indicações Absolutas: Parada respiratória, rebaixamento do nível de consciência (incapacidade de proteger a via aérea), instabilidade hemodinâmica grave, falha da VNI. Estratégia Ventilatoria: O padrão atual é a ventilação protetora pulmonar, que visa minimizar a lesão induzida pelo ventilador: Volume Corrente Baixo: 6 a 8 mL/kg de peso predito. PEEP Adequada: Utilizar PEEP para manter os alvéolos abertos e melhorar a oxigenação, evitando o colapso ao final da expiração. Pressão de Platô Limitada: Manter a pressão de platô < 30 cmH₂O para evitar barotrauma. 4. Tratamento Farmacológico O tratamento farmacológico é direcionado à causa base da IRpA. Broncodilatadores (Salbutamol, Ipratrópio): Para doenças com componente de broncoespasmo (asma, algumas bronquiolites). Corticosteroides Sistêmicos (Prednisolona, Metilprednisolona): Para reduzir a inflamação em crises de asma e laringites. Antibióticos: Para pneumonias bacterianas e sepse. 5. Prognóstico O prognóstico depende da etiologia subjacente, da gravidade da insuficiência respiratória e, crucialmente, da precocidade e adequação do suporte oferecido. 6. Referências Bibliográficas 1. Pediatric Acute Lung Injury Consensus Conference (PALICC) Group. (2015). Pediatric acute respiratory distress syndrome: consensus recommendations from the Pediatric Acute Lung Injury Consensus Conference. Pediatric Critical Care Medicine, 15(5), 428-439. (A referência fundamental que definiu a SDRA pediátrica e suas diretrizes de manejo). 2. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2020). Insuficiência respiratória aguda em pediatria. Documento Científico. (Diretriz nacional). 3. Franklin, D., et al. (2018). A Randomized Controlled Trial of High-Flow Nasal Cannula Oxygen Therapy in Infants with Bronchiolitis. The New England Journal of Medicine, 378(12), 1121-1131. (Estudo "PARIS", um marco sobre o uso de CNAF em bronquiolite). 4. Kneyber, M. C. J., et al. (2017). Recommendations for mechanical ventilation of critically ill children from the Paediatric Mechanical Ventilation Consensus Conference (PEMVECC). Intensive Care Medicine, 43(12), 1764-1780. (Consenso sobre as melhores práticas em ventilação mecânica pediátrica). 5. Mayordomo-Colunga, J., et al. (2017). Non-invasive ventilation in paediatric patients: a literature review. Anales de Pediatría (English Edition), 86(3), 164.e1-164.e9. (Excelente revisão sobre o uso de VNI em pediatria). 6. Slain, K. N., & Martinez-Schlurmann, N. (2021). Recognition and Management of Respiratory Distress and Failure in the Pediatric Patient. Pediatric Annals, 50(8), e334-e339. (Artigo de revisão prático e atual).

Tratamento

Orientações ao Prescritor A IRpA é uma emergência dinâmica. A prescrição deve ser escalonada, começando com o suporte mínimo necessário e progredindo rapidamente conforme a resposta do paciente. A monitorização contínua (oximetria, frequência respiratória) é a chave para guiar as decisões terapêuticas. Prescrição para Avaliação e Suporte Inicial 1. Monitorização Contínua: Instalar monitor multiparamétrico (FC, FR, SatO₂, PNI). 2. Posicionamento: Manter cabeceira elevada a 30-45° para otimizar a mecânica respiratória. 3. Manter acesso venoso pérvio. 4. Coletar Gasometria Arterial ou Venosa se houver sinais de desconforto moderado a grave. 5. Solicitar Radiografia de Tórax (AP e Perfil). Prescrição Escalonada de Oxigenoterapia Passo 1: Oxigênio de Baixo Fluxo Indicação: Hipoxemia leve (SatO₂ 90-94%) com desconforto respiratório leve. Prescrição: Cateter Nasal de O₂, iniciar com 1 L/min. Ajustar fluxo (0,5 a 3 L/min) para manter SatO₂ > 94%. Passo 2: Oxigênio de Alto Fluxo Indicação: Hipoxemia moderada, desconforto respiratório significativo. Prescrição: Máscara Facial com Reservatório Não Reinalante, com fluxo de O₂ de 10 a 15 L/min. Passo 3: Cânula Nasal de Alto Fluxo (CNAF) Indicação: Hipoxemia que não responde à máscara, desconforto respiratório importante (ex: bronquiolite grave). Prescrição: 1. Instalar sistema de CNAF com cânula de tamanho adequado. 2. Iniciar com fluxo de 2 L/kg/min e FiO₂ de 60%. 3. Titular FiO₂ para manter SatO₂ > 94% e ajustar fluxo conforme o trabalho respiratório. Prescrição para Ventilação Não Invasiva (VNI) Para Hipoxemia (CPAP) Indicação: Falha da CNAF, SDRA leve, edema pulmonar. Prescrição: 1. Instalar CPAP com máscara facial ou nasal. 2. Iniciar com PEEP de 5 a 7 cmH₂O e FiO₂ de 60%. Titular parâmetros conforme gasometria e clínica. Para Hipercapnia (BiPAP) Indicação: Crise de asma com fadiga, doenças neuromusculares. Prescrição: 1. Instalar BiPAP com máscara facial. 2. Iniciar com IPAP de 10-12 cmH₂O, EPAP de 5-6 cmH₂O e FiO₂ de 60%. Titular pressões para melhorar a ventilação (reduzir PCO₂) e a oxigenação. Prescrição para Sequência Rápida de Intubação (SRI) Indicação: Falha da VNI, rebaixamento do nível de consciência (Glasgow < 8), parada respiratória iminente. Prescrição (Exemplo para criança de 10 kg): 1. Pré-oxigenar com O₂ a 100%. 2. Atropina 0,2 mg, IV, em bolus (se < 1 ano ou se for usar succinilcolina). 3. Fentanil 20 mcg, IV, em bolus (analgesia). 4. Midazolam 1 mg, IV, em bolus (sedação). 5. Rocurônio 10 mg, IV, em bolus (bloqueio neuromuscular). 6. Proceder com a intubação orotraqueal. Prescrição de Ventilação Mecânica Protetora Exemplo de Parâmetros Iniciais (criança de 10 kg com SDRA): 1. Iniciar Ventilação Mecânica em modo PCV (Pressão Controlada). 2. Ajustar Pressão Inspiratória (Pinsp) para obter Volume Corrente de 6 mL/kg (iniciar com Pinsp de 15 cmH₂O acima da PEEP). 3. Ajustar PEEP inicial de 8 cmH₂O. 4. Ajustar Frequência Respiratória (FR) de 25 irpm. 5. Ajustar FiO₂ inicial de 100%, com desmame rápido para manter SatO₂ entre 92-97%. 6. Manter Pressão de Platô < 28-30 cmH₂O. Prescrição Farmacológica Adjuvante (Exemplos) Crise de Asma Grave 1. Salbutamol 5 mg + Ipratrópio 0,25 mg em 3 mL de SF 0,9%, para nebulização contínua por 1 hora ou a cada 20 minutos (3x). 2. Metilprednisolona 20 mg, IV, de 6/6 horas. Laringite Grave (CRUPE) 1. Epinefrina (Adrenalina) Racêmica para nebulização, 0,5 mL diluído em 3 mL de SF 0,9%. 2. Dexametasona 0,6 mg/kg (máx. 10 mg), IV ou IM, em dose única. Pneumonia Comunitária Grave 1. Ceftriaxona 1g, IV, de 12/12 horas. 2. Azitromicina 10 mg/kg/dia, IV, se suspeita de atípico.

Acesso Interativo

Acesse o conteúdo completo e interativo em Insuficiência Respiratória Aguda