Intoxicações

Resumo

Definição e Abordagem Inicial Uma intoxicação exógena é a consequência clínica da exposição a uma substância química (medicamento, produto doméstico, planta, etc.) em quantidade suficiente para causar dano ao organismo. Em pediatria, é uma emergência comum, sendo a maioria dos casos (cerca de 90%) acidental e ocorrendo em crianças menores de 5 anos. A abordagem inicial a qualquer criança com suspeita de intoxicação nunca deve focar no veneno, mas sim no paciente. A prioridade absoluta é a estab

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Conduta Completa

Definição e Abordagem Inicial Uma intoxicação exógena é a consequência clínica da exposição a uma substância química (medicamento, produto doméstico, planta, etc.) em quantidade suficiente para causar dano ao organismo. Em pediatria, é uma emergência comum, sendo a maioria dos casos (cerca de 90%) acidental e ocorrendo em crianças menores de 5 anos. A abordagem inicial a qualquer criança com suspeita de intoxicação nunca deve focar no veneno, mas sim no paciente. A prioridade absoluta é a estabilização através do ABCDE da reanimação, seguida por uma tentativa de identificação da substância e aplicação de medidas específicas. Princípio Fundamental: Sempre que possível, o médico deve entrar em contato com um Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox). No Brasil, o número é 0800-722-6001. Eles fornecem orientação especializada 24 horas por dia. Diagnóstico e Identificação da Toxidez 1. História Clínica Detalhada: A anamnese é crucial. Deve-se tentar obter o máximo de informações: O quê? Nome da substância, se possível com a embalagem. Quanto? Número de comprimidos, volume ingerido. Quando? Hora da exposição para guiar as medidas de descontaminação. Como? Via de exposição (oral, inalatória, dérmica). Por quê? Acidental ou intencional (importante em adolescentes). 2. Exame Físico e Toxidromes: O exame físico pode revelar uma síndrome toxicológica (toxidrome), um conjunto de sinais e sintomas característico de uma classe de substâncias. A identificação de uma toxidrome é fundamental para o diagnóstico e tratamento empírico. Síndrome Anticolinérgica: (ex: atropina, anti-histamínicos). "Quente como uma lebre, cego como um morcego, seco como um osso, vermelho como uma beterraba, louco como um chapeleiro". Caracteriza-se por febre, midríase (pupilas dilatadas), pele seca e quente, rubor facial e agitação/delírio. Síndrome Colinérgica: (ex: organofosforados, carbamatos). "DUMBELS". Caracteriza-se por Diarreia, Urinação, Miose (pupilas contraídas), Broncorreia/Bradicardia, Emese, Lacrimejamento e Salivação. Síndrome Opioide: (ex: morfina, codeína). Tríade clássica de miose, depressão respiratória e coma. Síndrome Simpaticomimética: (ex: cocaína, anfetaminas). Agitação, taquicardia, hipertensão, hipertermia, midríase e sudorese. 3. Exames Complementares: Laboratório Básico: Glicemia capilar (imediata), gasometria venosa/arterial (para avaliar o ânion-gap e o estado ácido-básico), eletrólitos, função renal e hepática. ECG: Essencial para detectar cardiotoxicidade (alargamento do QRS, arritmias). Dosagem Toxicológica Específica: Útil para poucas substâncias, como Paracetamol e Salicilatos, pois o nível sérico guia o tratamento. Para a maioria das drogas, não está disponível ou não altera a conduta de emergência. Princípios do Tratamento 1. Suporte de Vidas (ABCDE) Esta é sempre a prioridade. Muitas crianças se recuperam apenas com medidas de suporte, sem a necessidade de antídotos. 2. Medidas de Descontaminação O objetivo é reduzir a absorção do tóxico. Carvão Ativado: É a principal medida de descontaminação gastrointestinal. Adsorve muitas substâncias, impedindo sua absorção. Indicação: Ingestão de substância conhecida por ser adsorvida pelo carvão, idealmente dentro da primeira hora da exposição. Contraindicações: Ingestão de cáusticos, hidrocarbonetos, álcoois, metais (ferro, lítio), ou em pacientes com via aérea não protegida. Lavagem Gástrica: RARAMENTE indicada na prática atual. Reservada para casos de ingestão de substâncias potencialmente fatais, dentro da primeira hora, e com a via aérea protegida por intubação. Descontaminação Dérmica e Ocular: Remoção de roupas contaminadas e irrigação copiosa com água ou soro fisiológico por 15-30 minutos. 3. Antídotos Específicos Antídotos existem para uma minoria de intoxicações, mas podem ser salvadores de vidas quando indicados. Os mais comuns são: N-acetilcisteína: Para intoxicação por Paracetamol. Naloxona: Para intoxicação por Opioides. Flumazenil: Para intoxicação por Benzodiazepínicos (uso restrito e cuidadoso). Atropina e Pralidoxima: Para intoxicação por Organofosforados. Deferoxamina: Para intoxicação por Ferro. Manejo de Intoxicações Específicas (Protótipos) Paracetamol: A intoxicação é traiçoeira, com uma fase inicial assintomática seguida de insuficiência hepática fulminante em 72-96 horas. O tratamento com N-acetilcisteína (NAC), guiado pelos níveis séricos no nomograma de Rumack-Matthew, é altamente eficaz se iniciado nas primeiras 8 horas. Salicilatos (AAS): Causa um distúrbio ácido-básico complexo (alcalose respiratória inicial seguida por acidose metabólica grave). O tratamento envolve suporte, hidratação e, crucialmente, a alcalinização da urina com bicarbonato de sódio para aumentar a excreção do salicilato. A hemodiálise é indicada em casos graves. Prognóstico O prognóstico é geralmente excelente na maioria das intoxicações acidentais em crianças, com mortalidade inferior a 1%. Fatores de mau prognóstico incluem a ingestão de grandes quantidades (tentativas de suicídio em adolescentes), substâncias altamente tóxicas, atraso no tratamento e desenvolvimento de complicações graves como arritmias, insuficiência hepática ou renal. Referências Bibliográficas Nelson, L. S., et al. (Eds.). (2019). Goldfrank's Toxicologic Emergencies (11th ed.). McGraw-Hill. (Considerada a principal obra de referência mundial em toxicologia de emergência). American Academy of Pediatrics (AAP), Committee on Injury, Violence, and Poison Prevention. (2022). Poisoning in Children. Policy Statement. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2020). Intoxicações em pediatria. Documento Científico. Chyka, P. A., et al. (2007). Position paper: Single-dose activated charcoal. Clinical Toxicology, 45(sup1), 1-46. (Consenso clássico sobre o uso de carvão ativado). Dargan, P. I., & Jones, A. L. (2018). Management of poisoning. Medicine, 46(1), 58-63. (Revisão prática e atualizada). Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX/FIOCRUZ). (Site da organização). (Fonte de dados epidemiológicos e de contato para os Centros de Informação e Assistência Toxicológica - CIATox no Brasil).

Tratamento

Orientações ao Prescritor A prioridade máxima é a estabilização do paciente (ABCDE), não a administração de um antídoto. Contate o Centro de Informação Toxicológica (CIATox) - 0800-722-6001 - o mais breve possível. As prescrições devem ser direcionadas ao suporte de vida, à descontaminação (quando indicada) e ao uso criterioso de antídotos. Prescrição para Avaliação e Suporte Inicial 1. Monitorização Contínua: Instalar monitor multiparamétrico (ECG, FC, FR, SatO₂, PNI). 2. Oferecer Oxigênio suplementar. Manter via aérea pérvia com posicionamento e aspiração. 3. Obter acesso venoso periférico. Coletar exames: Glicemia capilar, Gasometria, Eletrólitos, Função renal e hepática, e Hemograma. Guardar amostra de soro e urina para possível análise toxicológica. 4. Realizar Eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações, especialmente se a substância for desconhecida ou cardiotóxica. Prescrição para Descontaminação Gastrointestinal Carvão Ativado Indicação: Ingestão de substância adsorvível (ex: medicamentos, plantas) há menos de 1-2 horas, em paciente com via aérea protegida. Prescrição: 1. Carvão Ativado 1 g/kg (máx. 50 g), diluído em água ou suco (proporção 1:4), via Oral ou por Sonda Nasogástrica, em dose única. Contraindicação: Não prescrever em caso de ingestão de cáusticos, hidrocarbonetos ou metais. Prescrição de Antídotos Comuns N-acetilcisteína (NAC) para Intoxicação por Paracetamol Indicação: Nível sérico de paracetamol em faixa tóxica no nomograma de Rumack-Matthew ou história de ingestão > 150 mg/kg. Iniciar o mais breve possível. Exemplo de Prescrição (Protocolo IV de 21 horas): 1. Dose de Ataque: N-acetilcisteína 150 mg/kg, diluído em 3 mL/kg de Soro Glicosado 5%, IV, infundir em 1 hora. 2. Segunda Dose: N-acetilcisteína 50 mg/kg, diluído em 7 mL/kg de Soro Glicosado 5%, IV, infundir em 4 horas. 3. Terceira Dose: N-acetilcisteína 100 mg/kg, diluído em 14 mL/kg de Soro Glicosado 5%, IV, infundir em 16 horas. Naloxona para Intoxicação por Opioides Indicação: Depressão respiratória grave (apneia, bradipneia) e/ou coma em paciente com suspeita de exposição a opioides. Exemplo de Prescrição: 1. Naloxona 0,1 mg/kg (máx. 2 mg), IV, em bolus rápido. 2. Se não houver resposta em 2-3 minutos e a suspeita for alta, repetir a dose. Observação: A meia-vida da naloxona é curta. Se o paciente responder e depois apresentar recorrência da depressão respiratória, uma infusão contínua pode ser necessária. Flumazenil para Intoxicação por Benzodiazepínicos ATENÇÃO: Usar com extrema cautela. Contraindicado se houver co-ingestão de antidepressivos tricíclicos, se o paciente for usuário crônico de benzodiazepínicos ou tiver história de convulsões, pois pode precipitar um estado de mal epiléptico de difícil controle. Indicação Principal: Reversão de sedação iatrogênica em ambiente controlado. Exemplo de Prescrição: 1. Flumazenil 0,01 mg/kg (máx. 0,2 mg), IV, administrar em 15 segundos. Atropina para Intoxicação por Organofosforados (Síndrome Colinérgica) Indicação: Bradicardia, broncorreia e broncoespasmo significativos. Exemplo de Prescrição: 1. Atropina 0,02 a 0,05 mg/kg, IV, em bolus. 2. Repetir a dose a cada 3 a 5 minutos, dobrando a dose anterior, até que se atinjam os sinais de atropinização (redução das secreções brônquicas, aumento da frequência cardíaca). A midríase não é um ponto final confiável. Deferoxamina para Intoxicação por Ferro Indicação: Sinais de toxicidade sistêmica (choque, acidose) ou nível de ferro sérico > 500 mcg/dL. Exemplo de Prescrição: 1. Iniciar infusão contínua de Deferoxamina 15 mg/kg/hora, IV. Observação: A urina do paciente adquire uma coloração avermelhada ("vinho rosé"), que indica a quelação do ferro.

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