Parada Cardiorrespiratória (PCR)
Resumo
1. Definição e Contexto Clínico
A Parada Cardiorrespiratória (PCR) é a cessação súbita da atividade cardíaca mecânica efetiva, confirmada pela ausência de pulsos centrais, apneia ou respiração agônica (gasping), e inconsciência. É a emergência médica de maior gravidade. Diferentemente dos adultos, onde a causa primária é geralmente cardíaca (arritmias), a PCR em pediatria é predominantemente secundária à hipóxia e ao choque, resultado de uma deterioração progressiva da função respiratória ou cir
Categoria
Urgências e Emergências > Emergências pediátricas gerais > Parada Cardiorrespiratória (PCR)
Conduta Completa
1. Definição e Contexto Clínico
A Parada Cardiorrespiratória (PCR) é a cessação súbita da atividade cardíaca mecânica efetiva, confirmada pela ausência de pulsos centrais, apneia ou respiração agônica (gasping), e inconsciência. É a emergência médica de maior gravidade. Diferentemente dos adultos, onde a causa primária é geralmente cardíaca (arritmias), a PCR em pediatria é predominantemente secundária à hipóxia e ao choque, resultado de uma deterioração progressiva da função respiratória ou circulatória.
Cerca de 80% das PCRs em crianças são de etiologia respiratória ou distributiva/hipovolêmica (choque). Apenas uma minoria é de causa cardíaca primária. Este fato fundamenta a importância da prevenção através do reconhecimento e tratamento precoce da insuficiência respiratória e do choque.
2. Etiologia da PCR Pediátrica
Causas Respiratórias (Asfixia Progressiva)
Obstrução de Vias Aéreas: Aspiração de corpo estranho, laringite, anafilaxia, afogamento.
Doença do Parênquima Pulmonar: Pneumonia grave, Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA).
Controle Respiratório Anormal: Depressão do SNC por intoxicações, trauma cranioencefálico, convulsões prolongadas.
Causas Circulatórias (Choque)
Choque Hipovolêmico: Desidratação grave, hemorragias.
Choque Distributivo: Sepse, anafilaxia.
Choque Cardiogênico: Miocardite, cardiomiopatias, arritmias, pós-operatório de cirurgia cardíaca.
Causas Cardíacas Primárias
Cardiopatias Congênitas: Especialmente lesões críticas no período neonatal.
Arritmias: Canalopatias (Síndrome do QT Longo), Taquicardia Ventricular.
3. Reconhecimento da PCR e Ativação do Sistema de Emergência
O diagnóstico é clínico e imediato.
1. Verificar Responsividade: Chamar a criança e estimular tátil e dolorosamente.
2. Chamar por Ajuda: Gritar por ajuda e acionar o time de resposta rápida ou o serviço de emergência.
3. Verificar Respiração e Pulso Central Simultaneamente (em ≤ 10 segundos):
Respiração: Observar se há movimentos torácicos eficazes. Gasping não é respiração normal.
Pulso: Em lactentes (< 1 ano), palpar o pulso braquial. Em crianças (> 1 ano), palpar o pulso carotídeo ou femoral.
4. Iniciar RCP: Se não houver pulso, se houver dúvida ou se a frequência cardíaca for < 60 bpm com sinais de má perfusão (palidez, cianose, hipotonia).
4. Manejo da PCR: Algoritmo do PALS (Pediatric Advanced Life Support)
A abordagem segue a sequência C-A-B (Compressões - Via Aérea - Ventilação).
C - Compressões Torácicas de Alta Qualidade
Posição: Criança em superfície rígida.
Frequência: 100 a 120 compressões por minuto.
Profundidade: Pelo menos 1/3 do diâmetro anteroposterior do tórax (aproximadamente 4 cm em lactentes, 5 cm em crianças).
Técnica:
Lactentes: Técnica dos dois polegares (com dois socorristas) ou dos dois dedos (com um socorrista).
Crianças: Região hipotenar de uma ou duas mãos.
Retorno Completo do Tórax: Permitir que o tórax retorne totalmente à sua posição original após cada compressão, sem retirar as mãos do peito.
Minimizar Interrupções: As pausas nas compressões devem ser as mais curtas possíveis.
A e B - Via Aérea e Ventilação
Abertura da Via Aérea: Manobra de inclinação da cabeça e elevação do queixo.
Ventilação:
Relação Compressão:Ventilação: 15:2 com dois socorristas; 30:2 com um socorrista.
Com Via Aérea Avançada (Tubo Endotraqueal): Realizar compressões contínuas e uma ventilação a cada 2-3 segundos (20-30 ventilações/minuto), de forma assíncrona.
Utilizar bolsa-válvula-máscara com oxigênio a 100%. Cada ventilação deve durar 1 segundo e produzir elevação visível do tórax.
D - Desfibrilação
Indicação: Apenas para ritmos chocáveis: Fibrilação Ventricular (FV) e Taquicardia Ventricular Sem Pulso (TVSP). Estes são raros em pediatria (<10% dos casos).
Energia:
Primeiro Choque: 2 Joules/kg.
Choques Subsequentes: 4 Joules/kg, podendo aumentar até um máximo de 10 J/kg ou a dose de adulto.
Técnica: Utilizar pás de tamanho adequado. Aplicar gel condutor. Carregar o desfibrilador enquanto as compressões continuam. Garantir que todos estejam afastados ("Estou pronto! Afastem-se! Chocando!"). Administrar o choque e retomar a RCP imediatamente por mais 2 minutos antes de reavaliar o ritmo.
5. Manejo Farmacológico
Adrenalina: É a droga principal. Indicada em TODOS os ritmos de PCR (FV/TVSP, Assistolia, AESP).
Dose: 0,01 mg/kg (0,1 mL/kg da solução 1:10.000) IV ou IO.
Frequência: Repetir a cada 3 a 5 minutos.
Amiodarona: Antiarrítmico de escolha para FV/TVSP refratária ao choque.
Dose: 5 mg/kg em bolus IV/IO. Pode ser repetido até 2 vezes.
Lidocaína: Alternativa à amiodarona.
Dose: 1 mg/kg em bolus IV/IO.
Bicarbonato de Sódio: Uso restrito e controverso. Considerado apenas em PCR prolongada com acidose metabólica grave documentada, hipercalemia ou intoxicação por antidepressivos tricíclicos.
6. Cuidados Pós-Ressuscitação
Após o Retorno da Circulação Espontânea (RCE), o foco muda para a estabilização e neuroproteção.
Suporte Respiratório: Otimizar a ventilação e a oxigenação (SatO₂ 94-99%).
Suporte Hemodinâmico: Manter a pressão arterial adequada com fluidos e drogas vasoativas.
Controle da Temperatura: Evitar a febre a todo custo. Manter normotermia (36-37,5°C). A hipotermia terapêutica pode ser considerada em casos selecionados.
Controle Metabólico: Monitorar e corrigir hipoglicemia e distúrbios eletrolíticos.
Monitoramento Neurológico: Avaliar e tratar convulsões.
7. Prognóstico
O prognóstico da PCR pediátrica, especialmente extra-hospitalar, ainda é reservado. A sobrevida com bom desfecho neurológico é baixa. Fatores de bom prognóstico incluem PCR testemunhada, início imediato de RCP de alta qualidade e presença de um ritmo chocável inicial.
8. Referências Bibliográficas
1. Topjian, A. A., et al. (2020). Part 4: Pediatric Basic and Advanced Life Support: 2020 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation, 142(16_suppl_2), S469-S523. (A diretriz fundamental e mais atual da AHA).
2. Maconochie, I. K., et al. (2021). European Resuscitation Council Guidelines 2021: Paediatric Life Support. Resuscitation, 161, 306-327. (Diretriz europeia, excelente contraponto e complemento à da AHA).
3. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2018). Reanimação cardiopulmonar em pediatria. Documento Científico. (Diretriz nacional adaptada).
4. Kleinman, M. E., et al. (2018). Pediatric Advanced Life Support: 2018 International Consensus on Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care Science With Treatment Recommendations. Circulation, 137(1), e1-e6.
5. Berg, R. A., et al. (2019). 2019 American Heart Association Focused Update on Pediatric Advanced Life Support. Circulation, 140*(24), e904-e914.
Tratamento
Orientações ao Prescritor
A PCR é a emergência médica definitiva. As ações devem ser rápidas, coordenadas e baseadas em algoritmos. A prioridade máxima é iniciar compressões torácicas de alta qualidade com mínimas interrupções. O acesso vascular (preferencialmente intraósseo, se um acesso IV não estiver imediatamente disponível) deve ser obtido rapidamente para a administração de drogas.
Prescrição de Ação Imediata (Código Azul)
1. Iniciar RCP imediatamente conforme algoritmo C-A-B (Compressões, Via Aérea, Ventilação).
2. Instalar monitor/desfibrilador o mais rápido possível para identificar o ritmo.
3. Obter acesso vascular: Acesso Intraósseo (IO) na tíbia proximal é a via de escolha se um acesso IV não for obtido em 60-90 segundos.
4. Preparar drogas de emergência: Adrenalina, Amiodarona, Soro Fisiológico 0,9%.
Prescrição Farmacológica na PCR
Adrenalina (Droga de Primeira Linha para TODOS os ritmos de PCR)
Dose: 0,01 mg/kg (equivalente a 0,1 mL/kg da solução de adrenalina para uso IV, que é a de 1:10.000).
Via: IV ou IO.
Frequência: Repetir a cada 3 a 5 minutos.
Administração: Administrar em bolus rápido, seguido imediatamente por um flush de 5-10 mL de Soro Fisiológico 0,9%.
Exemplo de Prescrição (criança de 10 kg):
1. Adrenalina (1:10.000) 1 mL, IV, em bolus, agora. Repetir a cada 3-5 minutos.
2. Soro Fisiológico 0,9% 10 mL, IV, em bolus, após cada dose de adrenalina.
Amiodarona (Para FV/TVSP Refratária ao Choque)
Indicação: Após o 2º ou 3º choque sem sucesso.
Dose: 5 mg/kg, IV ou IO, em bolus.
Repetição: Pode ser repetida até 2 vezes (dose máxima total de 15 mg/kg).
Exemplo de Prescrição (criança de 20 kg):
1. Amiodarona 100 mg, IV, em bolus lento, agora.
Lidocaína (Alternativa à Amiodarona)
Dose: 1 mg/kg, IV ou IO, em bolus.
Prescrição para Desfibrilação (Apenas FV/TVSP)
Energia:
Primeiro Choque: 2 J/kg.
Choques Subsequentes: 4 J/kg.
Exemplo de Prescrição/Ordem Verbal (criança de 15 kg):
1. "Carregar o desfibrilador com 30 Joules."
2. (Após carregar e pausar a RCP) "Estou pronto! Afastem-se! Chocando!"
3. "Retomar as compressões imediatamente."
Prescrição para Causas Reversíveis (Hs e Ts)
Hipovolemia:
Prescrição: Soro Fisiológico 0,9% ou Ringer Lactato, 20 mL/kg, IV, em bolus rápido. Repetir conforme necessário.
Hipóxia:
Prescrição: Garantir via aérea avançada e ventilação com O₂ a 100%.
Acidose (H+):
Prescrição (apenas se acidose grave documentada): Bicarbonato de Sódio 8,4%, 1 mEq/kg, IV, lento.
Hipercalemia:
Prescrição: Gluconato de Cálcio 10%, 0,5-1 mL/kg (máx 20 mL), IV, lento. Associar Bicarbonato de Sódio e/ou solução polarizante (Glicose + Insulina).
Hipotermia:
Prescrição: Reaquecimento ativo interno e externo. A RCP deve ser mantida até o reaquecimento.
Pneumotórax Hipertensivo:
Prescrição: Toracocentese de alívio imediata com agulha no 2º espaço intercostal, linha hemiclavicular.
Prescrição para Cuidados Pós-Ressuscitação
1. Admitir/Manter em UTI Pediátrica.
2. Instalar Ventilação Mecânica Protetora: Otimizar oxigenação (SatO₂ 94-99%) e ventilação (normocapnia, PCO₂ 35-45 mmHg).
3. Suporte Hemodinâmico:
Prescrição: Iniciar infusão contínua de Adrenalina (0.05-0.3 mcg/kg/min) ou Noradrenalina para manter a pressão arterial acima do percentil 5 para a idade.
4. Controle da Temperatura:
Prescrição: Manter temperatura central entre 36°C e 37.5°C. Administrar Paracetamol ou Dipirona IV, de forma regrada, para prevenir febre.
5. Controle Glicêmico:
Prescrição: Monitorar glicemia capilar a cada 1-2 horas. Manter entre 80-180 mg/dL.
6. Neuroproteção e Sedação:
Prescrição:* Iniciar sedoanalgesia contínua (ex: Fentanil + Midazolam). Solicitar EEG contínuo para monitorar e tratar convulsões (Fenobarbital ou Fenitoína como primeira linha).
Acesso Interativo
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