Trauma
Resumo
Definição e Contexto Clínico
O trauma é definido como uma lesão tecidual decorrente da exposição a uma quantidade de energia (mecânica, térmica, elétrica, etc.) que excede a capacidade de resistência do corpo. Em pediatria, o trauma é a principal causa de mortalidade e incapacidade a partir de 1 ano de idade. A maioria dos casos (cerca de 90%) resulta de trauma fechado (contuso), como quedas e acidentes automobilísticos.
A abordagem ao paciente pediátrico politraumatizado exige uma avaliação si
Categoria
Urgências e Emergências > Emergências pediátricas gerais > Trauma
Conduta Completa
Definição e Contexto Clínico
O trauma é definido como uma lesão tecidual decorrente da exposição a uma quantidade de energia (mecânica, térmica, elétrica, etc.) que excede a capacidade de resistência do corpo. Em pediatria, o trauma é a principal causa de mortalidade e incapacidade a partir de 1 ano de idade. A maioria dos casos (cerca de 90%) resulta de trauma fechado (contuso), como quedas e acidentes automobilísticos.
A abordagem ao paciente pediátrico politraumatizado exige uma avaliação sistemática, rápida e priorizada para identificar e tratar lesões que ameaçam a vida, seguindo a metodologia internacionalmente consagrada do ABCDE.
Particularidades Pediátricas no Trauma
As crianças não são "pequenos adultos". Suas diferenças anatômicas e fisiológicas impactam o padrão de lesões e a resposta ao trauma:
Via Aérea: Língua e occipital proeminentes, laringe mais alta e anterior, e traqueia mais estreita, tornando a via aérea mais suscetível à obstrução e dificultando a intubação.
Respiração: A caixa torácica é mais complacente, levando a uma maior incidência de contusão pulmonar sem fraturas de costelas.
Circulação: As crianças possuem uma reserva fisiológica robusta e conseguem manter a pressão arterial normal mesmo após perdas volêmicas significativas (até 25-30%). A hipotensão é um sinal tardio e de extrema gravidade, indicando choque descompensado. A taquicardia é o sinal mais precoce e confiável de hipovolemia.
Neurológico: A cabeça é proporcionalmente maior, tornando as crianças mais suscetíveis a traumatismos cranioencefálicos (TCE).
Hipotermia: Maior superfície corporal em relação à massa leva a uma perda de calor mais rápida, o que pode agravar a coagulopatia e a acidose.
Avaliação Primária e Reanimação (ABCDE)
Esta é a abordagem sequencial e prioritária para todo paciente traumatizado. Cada etapa deve ser avaliada e tratada antes de prosseguir para a seguinte.
A - Airway (Via Aérea com Proteção da Coluna Cervical)
Avaliação: Verificar se a via aérea está pérvia, procurar por corpos estranhos, sangue ou secreções.
Manejo: Todo paciente politraumatizado tem uma lesão de coluna cervical até que se prove o contrário. Manter a imobilização cervical manual e, em seguida, com colar cervical e imobilizadores laterais. Realizar a manobra de elevação do mento (chin lift) ou tração da mandíbula (jaw thrust). Aspirar secreções. Se necessário, utilizar cânula orofaríngea. A necessidade de uma via aérea definitiva (intubação orotraqueal) é indicada em caso de Glasgow < 9, falência respiratória ou obstrução da via aérea.
B - Breathing (Respiração e Ventilação)
Avaliação: Expor o tórax. Avaliar frequência respiratória, simetria e amplitude da expansão torácica, e ausculta pulmonar. Monitorar a oximetria de pulso.
Manejo: Administrar oxigênio a 100% com máscara não reinalante. Identificar e tratar lesões torácicas que ameaçam a vida, como pneumotórax hipertensivo (requer descompressão imediata com agulha) e pneumotórax aberto.
C - Circulation (Circulação com Controle da Hemorragia)
Avaliação: Identificar o estado de choque. Avaliar frequência cardíaca, pulsos centrais e periféricos, tempo de enchimento capilar, coloração e temperatura da pele, e pressão arterial.
Manejo: Controlar hemorragias externas com compressão direta. Obter dois acessos venosos periféricos de grosso calibre (ou acesso intraósseo se houver falha). Iniciar ressuscitação volêmica com cristaloides aquecidos (Soro Fisiológico 0,9% ou Ringer Lactato) em bolus de 20 mL/kg. Se não houver resposta após 2 bolus ou se o sangramento for maciço, iniciar ressuscitação hemostática com hemoderivados (concentrado de hemácias, plasma e plaquetas).
D - Disability (Avaliação Neurológica)
Avaliação: Determinar o nível de consciência usando a Escala de Coma de Glasgow Pediátrica. Avaliar o tamanho e a reatividade das pupilas.
E - Exposure (Exposição e Controle do Ambiente)
Avaliação: Despir completamente o paciente para procurar por lesões ocultas, mantendo a privacidade.
Manejo: Prevenir a hipotermia cobrindo o paciente com mantas aquecidas após o exame.
Avaliação Secundária e Manejo Definitivo
Realizada apenas após a conclusão da avaliação primária e a estabilização do paciente. Consiste em um exame físico detalhado da cabeça aos pés e na história (mecanismo do trauma, alergias, medicamentos, etc. - mnemônico AMPLA).
Exames Complementares
FAST (Focused Assessment with Sonography for Trauma): Ultrassom à beira-leito para detectar líquido livre (sangue) no pericárdio, espaço hepatorrenal, esplenorrenal e pelve.
Radiografias: Essenciais na sala de trauma, incluindo tórax (AP), pelve (AP) e coluna cervical (perfil).
Tomografia Computadorizada (TC): Indicada para pacientes hemodinamicamente estáveis com suspeita de lesões específicas (TCE, trauma torácico ou abdominal).
Manejo de Lesões Específicas
Traumatismo Cranioencefálico (TCE): Manejo focado em prevenir a lesão secundária, mantendo a oxigenação e a perfusão cerebral adequadas. Casos graves (Glasgow < 9) requerem monitoramento de pressão intracraniana e intervenção neurocirúrgica.
Trauma Torácico: A maioria das lesões (pneumotórax, hemotórax) é tratada com drenagem torácica.
Trauma Abdominal: Em pacientes estáveis, o tratamento não operatório é a abordagem preferencial para lesões de órgãos sólidos (fígado, baço). A cirurgia (laparotomia exploradora) é indicada em caso de instabilidade hemodinâmica ou peritonite.
Prognóstico
O prognóstico no trauma pediátrico é determinado pela gravidade das lesões (medida por escores como o Injury Severity Score - ISS) e pela qualidade e rapidez do atendimento inicial. A "Hora de Ouro" após o trauma é um conceito fundamental, onde a estabilização rápida pode impactar drasticamente a sobrevida e a qualidade de vida.
Referências Bibliográficas
1. American College of Surgeons, Committee on Trauma. (2018). Advanced Trauma Life Support (ATLS) Student Course Manual (10th ed.). (A principal referência mundial para o manejo sistematizado do trauma).
2. National Association of Emergency Medical Technicians (NAEMT). (2019). PHTLS: Prehospital Trauma Life Support (9th ed.). Jones & Bartlett Learning. (Foco no atendimento pré-hospitalar, essencial para o desfecho).
3. Burd, R. S., & M. D. (2020). Initial Assessment and Management of the Injured Child. In APSA (American Pediatric Surgical Association) Educational Resources.
4. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2020). Trauma em pediatria. Documento Científico.
5. Acker, S. N., & Stovroff, M. (2021). Pediatric Trauma: Initial Evaluation and Management. Pediatrics in Review, 42(1), 18-31. (Excelente artigo de revisão focado na prática pediátrica).
6. Petrone, P., & Marini, C. P. (Eds.). (2020). Trauma, Critical Care, and Surgical Emergencies in Pediatrics. Springer. (Livro abrangente sobre o tema).
Tratamento
Orientações ao Prescritor
No trauma, as prescrições devem seguir a prioridade do ABCDE. O tratamento é dinâmico e deve ser reavaliado constantemente. A primeira hora ("Golden Hour") é crítica. A comunicação clara e em alça fechada com a equipe é essencial.
Prescrição de Ação Imediata (Sala de Trauma)
1. Monitorização Contínua: Instalar monitor multiparamétrico (ECG, FC, FR, SatO₂, PNI).
2. Manter Imobilização da Coluna Cervical com colar cervical e imobilizadores laterais.
3. Oferecer Oxigênio a 100% por máscara não reinalante.
4. Obter dois acessos venosos periféricos de grosso calibre. Se falha, proceder imediatamente para Acesso Intraósseo (IO).
5. Coletar exames de urgência: Tipagem sanguínea e prova cruzada, Hemograma, Gasometria com lactato, Eletrólitos, Glicemia, Função renal.
6. Solicitar Radiografias do Trauma: Tórax (AP), Pelve (AP) e Coluna Cervical (Perfil).
7. Realizar Ultrassom FAST à beira-leito, se disponível.
Prescrição para Ressuscitação Volêmica e Hemostática
Ressuscitação Volêmica Inicial:
Indicação: Sinais de choque (taquicardia, má perfusão), mesmo com PA normal.
Prescrição:
1. Soro Fisiológico 0,9% (aquecido), 20 mL/kg, IV, em bolus rápido (infundir em 5-10 minutos).
2. Reavaliar o paciente. Se persistirem sinais de choque, repetir bolus de 20 mL/kg.
Ressuscitação Hemostática (Choque Hemorrágico Refratário):
Indicação: Falha na resposta após 2 bolus de cristaloide (40 mL/kg) ou sangramento maciço evidente.
Prescrição:
1. Ativar Protocolo de Transfusão Maciça.
2. Administrar Concentrado de Hemácias (tipo O negativo se emergência) 10-15 mL/kg, IV.
3. Administrar Plasma Fresco Congelado 10-15 mL/kg, IV.
4. Administrar Concentrado de Plaquetas 10-15 mL/kg, IV.
5. Objetivo: Manter a proporção de 1:1:1 entre hemácias, plasma e plaquetas.
6. Considerar Ácido Tranexâmico 15 mg/kg, IV, se sangramento grave (administrar na primeira hora).
Prescrição para Analgesia e Sedação
Objetivo: Controlar a dor é crucial para reduzir a resposta ao estresse e facilitar o manejo.
Prescrição:
1. Fentanil 1 a 2 mcg/kg, IV, em bolus lento. É de curta duração e tem menos efeito hemodinâmico que a morfina. (Droga de escolha no trauma).
2. Se dor persistir, pode-se associar Cetamina 0,5 a 1 mg/kg, IV, que tem a vantagem de manter a estabilidade hemodinâmica.
3. Para analgesia contínua, considerar infusão de Fentanil ou Morfina.
Prescrição para Intubação em Sequência Rápida (ISR) no Trauma
Indicação: Glasgow < 9, falência respiratória, incapacidade de manter via aérea pérvia. Sempre com proteção da coluna cervical.
Prescrição:
1. Pré-oxigenar com O₂ a 100%.
2. Pré-medicação (Analgésico): Fentanil 2-3 mcg/kg, IV.
3. Indução (Sedativo):
Se hemodinamicamente instável: Etomidato 0,3 mg/kg, IV, ou Cetamina 1-2 mg/kg, IV.
Se estável: Propofol 1-2 mg/kg, IV.
4. Bloqueio Neuromuscular:
Rocurônio 1,2 mg/kg, IV (rápido início de ação).
ou Succinilcolina 1-2 mg/kg, IV (cuidado com contraindicações como hipercalemia).
Prescrição de Antibioticoprofilaxia
Indicação: Fraturas expostas, trauma penetrante abdominal, feridas contaminadas.
Exemplo para Fratura Exposta:
1. Cefazolina 50 mg/kg, IV, agora (máx. 2g). Manter de 8/8h por 24-48h.
2. Se contaminação grosseira, associar Gentamicina 5-7 mg/kg, IV, dose única diária.
Exemplo para Trauma Penetrante Abdominal:*
1. Ceftriaxona 80 mg/kg, IV, agora.
2. Metronidazol 10 mg/kg, IV, agora.
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